OS ARQUEIROS NÚBIOS E A SUA INFLUÊNCIA MILITAR
A região núbia, localizada ao
longo do Alto Nilo corresponde ao actual Sudão e ao sul do Egipto, núbia teve
uma história militar rica e complexa ao longo dos milênios. O exército núbio,
historicamente, desempenhou um papel crucial em conflitos locais e em interações
com outras civilizações no antigo nordeste da África
A Núbia foi uma das primeiras
civilizações africanas, com registros desde 2000 a.C., e teve uma relação
extremamente próxima com a civilização egípcia, que ficava ao norte. O contato
entre ambas as civilizações, muitas vezes de forma belicosa, acabou afetando
diretamente o desenvolvimento da Núbia.
Durante o século VIII a.C., o
Egito Antigo foi governado por uma série de faraós de origem Núbia. Eles
reinaram no Egito por quase um século e constituíram a 25ª dinastia de faraós.
O primeiro faraó Núbio que conquistou o Egito se chamava Piye. Vindos da Núbia, no atual Sudão, esses reis reunificaram um Egito despedaçado e criaram um
império que se estendia da fronteira meridional, na atual Cartum,
até ao Mediterrâneo, ao norte.
Piye, o líder dessa dinastia,
liderou um exército que desceu o rio Nilo por volta de 730 a.C., com o objetivo
de conquistar o Egito, que já estava em franca decadência. Após derrotar todos
os chefes egípcios que lhes apareceram pela frente, Piye tornou-se o primeiro
faraó Núbio da história, representando uma casta de núbios que controlaria o
Egito antigo por décadas. Ele governou o Egito por 35 anos, sem jamais ter seu
poder ameaçado. Ao morrer, foi sepultado em uma pirâmide que havia mandado
construir em El-Kurru, no Sudão, junto com seus cavalos favoritos¹.
Além de serem personagens
historicamente importantes, os faraós Núbios do Egito deixaram para a
posteridade monumentos fantásticos, como as pirâmides de Nuri ou Meroë, bem menos
conhecidas e visitadas que as egípcias. Só nas últimas 5 décadas, os
arqueólogos passaram a creditar-lhes a devida relevância, superando o
preconceito que existia entre os pesquisadores que monopolizaram as pesquisas
sobre o Egito do final do século XIX até a década de 1950.
O exército Núbio

O exército Núbio desempenhou um
papel significativo na história do Egito Antigo. Os arqueiros formavam o núcleo
dos exércitos núbios. Eles eram altamente valorizados por suas habilidades com
o arco e flecha, esses arqueiros competiram com o Egito pelo controle de partes
do vale do Nilo e, no século VIII a.C., até conquistaram o Egito. Sua destreza
os tornou membros estimados nas forças militares de outras terras.
O Reino de Kerma foi a primeira grande potência na Núbia, a organização militar centrava-se na arqueria, e a infantaria era principalmente equipada com espadas, machados, clavas e escudos as armas dessa época eram feitas de bronze, além disso, o povo de Kerma serviu como mercenários no Egito Antigo. Os antigos egípcios chamavam a Núbia de Ta-Seti, que significa "terra do arco", devido às habilidades núbias em arquearia. Os arqueiros núbios eram conhecidos por sua habilidade excepcional no uso do arco e flecha. Esses guerreiros, originários da região núbia ao longo do Alto Nilo, eram respeitados por suas técnicas de tiro precisas e pela eficácia em combate.
Sendo um dos arqueiros mais tradicionais de África na idade do bronze, os arqueiros núbios trabalharam não só para seus vizinhos egípcios, mas também ajudaram a manter a soberania de seus reinos ao lutar contra os mais diversos oponentes ao longo de sua história. Reconhecidos com sua proeza no arco, os arqueiros núbios, dessa forma, se estabeleceram como uns dos arqueiros mais precisos da África antiga.
Habilidades em Arco e Flecha
Os núbios eram muito usados como
mercenários, principalmente pelos egípcios. Uma das tropas mercenárias núbias
utilizadas pelos egípcios eram os medjay, vindos da tribo homônima da região,
que estavam na ativa no exército egípcio desde o período do médio reinado, em
aproximadamente 2000 a.C. Os medjay eram nativos da Núbia, empregados
principalmente como batedores do deserto e também como protetores de áreas de
interesse faraônicos, principalmente em guarnições na fronteira com a Núbia.
A influência Núbia na
História Militar
A reputação dos arqueiros núbios
como guerreiros habilidosos deixou uma marca duradoura na história militar da
região. Sua contribuição para várias dinastias e reinos núbios ajudou a moldar
os eventos históricos na região do Alto Nilo. O Reino de Kush, um dos reinos
mais duradouros da Núbia, criado após o fim da ocupação egípcia do norte da
região, possuía em sua cultura vários aspectos similares à cultura do Egito
Antigo, notavelmente a construção de pirâmides.
O equipamento dos arqueiros
núbios, independente de seu serviço para com os egípcios, era uma simples tanga
de linho ou de pele de animal, acompanhada de um arco simples, diferente do
arco composto egípcio. Entretanto, os núbios frequentemente envenenavam a ponta
de suas flechas, algo que era feito para compensar a falta de força do arco em
si. A grande vantagem dos núbios com os seus arcos e flechas era simplesmente
porque viviam. A caça, praticada com o arco, era uma das características do
estilo de vida núbio e a principal fonte de renda de suas tribos, através do
comércio de peles e marfim.
Portanto, por mais que o
equipamento dos núbios fosse menos avançado que o dos egípcios, a sua prática e
precisão com o arco os tornaram renomados em seu ofício. No período do Reino de
Kush, a partir de 1070 a.C., é possível que os arqueiros tenham formado boa
parte do seu grande exército. O uso de uma arma secundária entre os arqueiros
de Kush era ocasional, mas geralmente, caso usassem, era um porrete ou uma
adaga.
A conquista do Egito
Por mais que a Núbia,
inicialmente, estivesse dividida em um conjunto de tribos desunidas que
constantemente guerreavam entre si, sendo usados pelos egípcios inclusive para
expulsar os Hyksos, governantes estrangeiros provavelmente semitas que se
apoderaram do trono em 1650 a.C., durante o período do Reino de Kush elas
finalmente foram unificadas em uma potência africana, rivalizando com o próprio
Egito, inclusive em proeza militar. Um dos embates entre o Egito e Kush, no
entanto, acabou concretizando em sua anexação e na formação da 25ª dinastia do
Egito, na conquista núbia do Egito.
Apesar de que núbios provavelmente já
estivessem estabelecidos como reis do Alto Egito desde o reinado de Kashta, em
cerca de 760 a.C., foi seu filho, Piye, que estendeu uma conquista militar pelo
Baixo Egito, aproveitando-se de conflitos internos na região. Tefnakht,
príncipe de Sais, formou uma coalizão entre os reis locais para tentar impedir
o avanço de Piye sobre a região, sitiando a cidade de Herakleopolis. Piye
respondeu rapidamente à ameaça, montando uma força de invasão ao Médio e Baixo
Egito. Como Piye comandava seus soldados a realizarem uma limpeza ritualística,
além de oferecer pessoalmente sacrifícios à Amun, ele considerava essa campanha
contra Tefnakht e sua coalizão como uma guerra santa.
Chegando em Herakleopolis, Piye
conseguiu uma vitória total no subsequente cerco, vitória essa registrada na
Stela de Vitória de Piye. Por mais que Piye tivesse vencido seus oponentes no
delta do Nilo, seu controlo não estava completamente consolidado,
principalmente porque alguns dos líderes do Baixo Egito simplesmente possuíam
uma grande autonomia, e estavam livres para se auto-governarem.
Essa situação, entretanto,
mudaria com o sucessor de Piye, Shabaka, que conquistou todo o vale do
Nilo em 710 a.C., finalmente estabelecendo os faraós núbios no controlo não só
de toda a região do Egito, mas também da Núbia, consolidando o maior império
egípcio já visto desde o Novo Império, em 1550 a.C., além de efetivamente
reunificarem o Egito, dividido desde a morte do faraó Ramssés XI em 1069 a.C.,
no fim do Novo Império. Os principais rivais da 25ª dinastia egípcia eram os
assírios, que estavam em processo de expansão de seu império. O confronto com
os assírios acabou marcando o reinado de um século da 25ª dinastia, além da
construção de várias pirâmides na região do Sudão.
O declínio do Exercito
Núbio no Egipto
Com o tempo, mudanças nas
dinâmicas políticas e sociais afetaram a região núbia. O declínio de certas
dinastias e mudanças nas tecnologias militares contribuíram para transformações
nas práticas de combate. A tentativa núbia de ganhar territórios no Oriente
Médio durante os reinados de Sargão II e Sennacherib da Assíria acabou se
transformando em um fracasso, o que acabou levando a uma retaliação por parte dos
assírios a partir do reinado de Assaradão e Assurbanipal. Os assírios usavam
armas de ferro contra os egípcios e núbios, que usavam principalmente o bronze,
menos resistente, e não tinham transitado para o uso do ferro.
As ofensivas dos reis assírios
contra os faraós núbios foi altamente eficaz, o que acabou não só concretizando
a expulsão dos núbios do Egito, no reinado de Tantamani, mas também consolidou
a 26ª dinastia em 656 a.C., que era submissa aos líderes assírios. A 26ª
dinastia seria a última dinastia nativa a governar o Egito antes da anexação
pelos persas.
Méroe o novo reino
Núbio
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Ruinas de Méroe, actual Sudão |
Os núbios que fugiram do Egito
acabaram estabelecendo um novo reino em Napata, e, em 590 a.C., Meroe. O reino
de Meroe prosperou na região e tinha muitas similaridades com a cultura
egípcia, além de possuírem traços de uma cultura própria. Após conflitos com os
romanos em 23 a.C., resultados de sucessivos saques em cidades do recém-anexado
Egito, a segunda cidade mais importante do reino, Napata, foi saqueada por
Publius Petronius e, após o saque e a fuga do príncipe, o reino se dividiu em
várias facções que lutavam pelo controlo da região. A luta entre as facções
finalmente acabou quando um reino estrangeiro, o Reino de Axum, ancestral da
Etiópia, controlaria a região, pondo um fim na independência dos núbios. Os
arqueiros núbios, entretanto, continuaram sendo usados pelos persas e inclusive
chegaram a lutar contra os islâmicos, no século VIII, ainda mostrando sua
supremacia com o arco.
Baseando seu alto renome apenas
em sua proeza com o arco e flecha, os arqueiros núbios foram fundamentais no
reconhecimento e estabelecimento militar da Núbia como uma potência singular em
África. Servindo tanto aos faraós nativos do Egito quanto aos faraós
conterrâneos, os arqueiros da Núbia lutaram pela sua soberania e pela expansão
do seu já territorialmente extenso império e, com a sua exímia habilidade, se
tornaram um símbolo designatório de toda a sua região.
𝐒𝐮𝐠𝐞𝐬𝐭𝐨̃𝐞𝐬
𝐝𝐞
𝐥𝐞𝐢𝐭𝐮𝐫𝐚:
- WISE, T. Ancient armies of the Middle East. Reino Unido: Osprey Publishing, 1981. 48 p.
- TÖRÖK, L. The kingdom of Kush: handbook of the napatan-meroitic civilization. Países Baixos: Brill Academic Publishers, 1997. 586 p.
- EMBERLING, G. Nubia: ancient kingdoms of Africa. Estados Unidos: Princeton University Press, 2011. 64 p.
- Núbia era a "Terra do Arco: Universidade de Chicago
- A Terra do Arco – Tiro com ArcoNúbio: Arquivos de História
" 𝕸𝖆𝖎𝖘 𝕬𝖋𝖗𝖎𝖈𝖆, 𝖒𝖆𝖎𝖘 𝖆𝖒𝖔𝖗 𝖊 𝖒𝖊𝖓𝖔𝖘 𝖔𝖉𝖎𝖔"
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