EFIKO: UMA CELEBRAÇÃO DA MATURIDADE NAS COMUNIDADES DO SUL DE ANGOLA

Jovens preparadas para a celebração do efiko

Nas comunidades Nhãneka-humbi, Mucubais e Kwanhamas, localizadas no Sul de Angola, o ritual de passagem conhecido como "Efiko" é uma festa  que marca a transição das meninas da fase de adolescente para a adulta. Este evento é uma celebração da maturidade feminina e desempenha um papel significativo na preservação da cultura e tradições dessas comunidades.

O éfiko ocorre há mais de 1000 anos em Angola, e se mantém até hoje como uma tradição viva entre o povo nhãneka-humbi, apesar de alguma interferência da chamada “ aculturação” essa tradição é um dos mais importantes acontecimentos desse povo porque está em jogo além do futuro das jovens, o respeito entre as famílias e a vida dos seus futuros filhos.

Para a comunidade, se a jovem não for submetida ao ritual não irá se casar ou ter o respeito de alguém e nem terá filhos e, se tiver, o filho morrerá. Esse rito acontece uma vez em cada ano e conta com a participação hierárquica das autoridades tradicionais (sobas) da região e vários outros visitantes de diversas partes do país.

O éfiko, também conhecido por fiko, ehiko ou ainda efuko entre os nhãneka-humbi e seus subgrupos como os muila (conhecidos popularmente por mumuilas) e os handa, segundo relatos orais de autoridades participantes, significa “maturidade” como parte de um processo de ensino e aprendizagem, designado por ritual de iniciação feminina, a fim de “se tornarem mulheres”, preparadas para o matrimônio ou a vida conjugal. O ekwendje, por sua vez, seria a designação para o ritual de iniciação masculina ligado estreitamente à circuncisão, no qual é feita remoção do prepúcio e testada a coragem e rigorosidade dos “homens” por meio de provas de força e coragem.

 

Origem e Significado do Ritual

O Efiko é um rito de passagem que simboliza a maturidade e a responsabilidade das jovens. Quando as meninas atingem idades entre 14 e 16 anos, seus corpos já passaram por mudanças significativas, como o crescimento dos seios. Tradicionalmente, o Efiko é o momento em que elas são apresentadas à sociedade como mulheres. Durante essa festa, os pais ou tios matam um ou dois bois, simbolizando o poderio da família. Além disso, há uma variedade de bebidas e danças, como o tradicional “ovindjomba”.

O ritual de passagem "Efiko" tem raízes antigas nessas comunidades, remontando a tempos imemoriais. Ele é realizado como um meio de marcar simbolicamente a transição das meninas da infância para a idade adulta, reconhecendo sua maturidade física, emocional e espiritual. O termo "Efiko" deriva do idioma local e pode ser traduzido como “maturidade”, "florescer" ou "crescer".

 

Preparativos e Cerimônias

Os preparativos para o ritual "Efiko" começam meses antes do evento, envolvendo os membros da comunidade em várias atividades de planejamento e organização. As meninas que estão prestes a passar pelo ritual são instruídas por mulheres mais velhas da comunidade sobre suas responsabilidades e expectativas como mulheres adultas.

Durante o processo, as meninas são ensinadas a:  

  • Satisfazer as necessidades do seu marido em todos os sentidos, incluindo sexualmente, o que merece a nossa atenção porque é nessa fase em que elas perdem sua virgindade, segundo relatos orais, ao mesmo tempo, vale destacar que se a menina não for virgem a família deverá pagar uma multa;
  • Como ser uma boa dona de casa, portanto, ser uma mulher digna de respeito para casar e constituir família;
  • Como se comportar em termos de vestuário, conversas, ações e postura diante dos homens, da comunidade e da família do futuro noivo ou esposo;
  • Como proceder em casos de conflitos, desavenças ou problemas conjugais com o seu futuro esposo assim como à quem e como se dirigir para as famílias (dela e ou do noivo), a fim de resolver o mesmo problema e, ainda, quais eventuais problemas podem ser resolvidos pelo casal e quais devem ser resolvidos junto das famílias.
Festa da puberdade na província do Namibe, Angola

Três dias antes do efiko, as famílias sacrificam ou matam um ou dois cabritos, marcando o fim da responsabilidade dos pais pela filha. Isso também representa o cumprimento dos princípios culturais, incluindo a não gravidez antes do efiko. Durante esses três dias, as meninas ficam sob a custódia de uma outra jovem que já passou pelo efiko, conhecida como “mãe”. Essa figura cuida delas, protegendo-as de possíveis atos de violência sexual.

No dia da cerimônia, as meninas são adornadas com trajes tradicionais elaborados e ornamentos feitos à mão, simbolizando sua beleza e feminilidade. A cerimônia é realizada em um local especial, frequentemente ao ar livre, onde membros da comunidade se reúnem para testemunhar o evento e oferecer seus votos de apoio às meninas.

 

Ritos e Símbolos

Ao contrário do ekwendje, que é um ritual de carácter secreto, desenrolado longe do ambiente doméstico, e onde, para além da ablação do prepúcio, das provas duras e das regras mais ou menos severas, se celebram os poderes da masculinidade, o efiko é um ritual de carácter público, desenrola-se próximo das habitações e não prescreve qualquer tipo de mutilação corporal das iniciandas”. Aparentemente, ambos são tidos como instrumentos de caráter cultural, ético, moral e sagrado, incorruptível para os participantes epraticantes do ritual.

Durante o ritual "wfiko", várias atividades simbólicas são realizadas para marcar a transição das meninas para a idade adulta. Isso pode incluir danças tradicionais, cânticos, rituais de purificação e a oferta de presentes simbólicos às meninas.

Povo Nhãneka-humbi 

O éfiko também requer o cumprimento de alguns critérios para que a pessoa seja introduzida ao ritual. Em caso de descumprimento, pode ser aplicada uma multa definida pelos anciãos que deve ser paga imediatamente pela família da pessoa apresentada ao ritual. Tem-se como critérios: pertencer ao grupo ou povo nhãneka-humbi ou a um dos seus subgrupos (nesse caso, geralmente quando a pessoa tem alguma linhagem ou parente de primeiro grau pertencente ao grupo em questão); ter idade entre 14 até aos 18 anos (passível de exceções); ser do sexo feminino para o caso do éfiko e masculino para o caso do ekwendje.

O casamento depois do efiko

Após o Efiko, as jovens estão prontas para o casamento, a família do rapaz deve pagar três bois: Kowina, que representa a parte da mãe, Thuinha, o boi abatido cuja carne é consumida pelas comunidades e “Namatuka”, o retorno da família. Quanto mais pessoas participam da festa, mais fama a família ganha. Nas tradições do sul de Angola, uma jovem que se casa ou engravida sem passar pelo Efiko é considerada sem valor. Diz-se que ela não pode ter filhos vivos e está sujeita a azar, podendo ser mordida por cobras ou vítima de assombrações.

Importância Cultural e Social

O ritual "efiko" desempenha um papel crucial na preservação da cultura e identidade das comunidades do Sul de Angola. Ele fortalece os laços sociais e familiares, promove a solidariedade entre os membros da comunidade e reafirma os valores tradicionais de respeito, responsabilidade e pertencimento. Além disso, o ritual "Efiko" oferece às meninas uma oportunidade de aprender sobre sua herança cultural e assumir seu papel na sociedade como mulheres adultas. Ao passar por esse rito de passagem, elas são preparadas para enfrentar os desafios e responsabilidades da vida adulta, enquanto continuam a honrar e preservar as tradições de seus antepassados.

 

Conclusão

Para os nhãneka-humbi os rituais de iniciação tanto o ekwendje quanto o éfíko, conferem significados e organizam as experiências sociais, possibilitando a identificação de quem se é, e quem se pode vir a ser na comunidade ou no seio do grupo, a partir do papel social atribuído a cada um dos membros ligado ao seu ‘destino’ social estabelecido em função da fabricação do gênero. O estabelecimento de vínculo de pertencimento cultural e constituição de identidade, assim como a mudança de status da pessoa e ascenção no grupo por meio de passagem no ritual por meio do processo de socialização marcam também possíveis constrangimentos sociais, associados à segregação e discriminação que possivelmente sofrem aquelas que por um ou outro motivo não são iniciadas no ritual.

O ritual de passagem "Efiko" é mais do que uma simples celebração; é um testemunho vivo da rica herança cultural e espiritual das comunidades do Sul de Angola. Ao marcar a transição das meninas para a idade adulta, o "Efiko" fortalece os laços comunitários, promove a autoestima e empodera as mulheres para assumir seu lugar na sociedade. É uma tradição que merece ser celebrada e preservada para as gerações futuras.

 

REFERÊNCIAS


Uma África Desconhecida

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