A Núbia é uma região que
se estende ao longo do rio Nilo, desde a primeira catarata até a quarta
catarata, no actual Egito e Sudão. A região foi habitada desde o período
pré-histórico e foi um importante centro de comércio e cultura. A Núbia antes
de Napata, que se estendeu de 3100 a 750 antes da Era Cristã, foi caracterizada
por uma fase húmida que durou até cerca de 2300 a.C. Durante esse período, as regiões a leste e a
oeste do Nilo desfrutaram de condições climáticas favoráveis à fixação humana.
A região era habitada por diversos povos, como os Cuxitas, os Medjay e os Blemmyes. Napata, uma antiga cidade na margem ocidental do rio Nilo, foi construída por volta de 1450 a.C. pelo faraó egípcio Thutmose III, perto da montanha sagrada de Jebel Barcal, que fixava o limite sul do seu império. Napata tornou-se a capital do Reino de Kush, que se estendeu desde a segunda catarata do Nilo até a região de Khartoum, no Sudão . O Reino de Kush foi um importante centro de comércio e cultura, e sua riqueza rivalizou com a dos faraós egípcios. Pelo fim do IV milênio antes da Era Cristã floresceu na Núbia uma notável cultura, conhecida pelos arqueólogos como cultura do Grupo A1. Os instrumentos de cobre (os mais antigos utensílios de metal até hoje descobertos no Sudão) e a cerâmica de origem egípcia exumados de túmulos do Grupo A indicam que o desenvolvimento dessa cultura foi contemporâneo da I dinastia no Egito (-3100).
O
Egito na Núbia
Desde os primeiros
tempos, os antigos egípcios eram fascinados pela Núbia, devido a suas riquezas
em ouro, incenso, marfim, ébano, óleos, pedras semipreciosas e outras
mercadorias de luxo. Por isso eles sempre procuraram obter o controlo do
comércio e dos recursos econômicos desse país. Vemos assim que a história da
Núbia é quase inseparável da do Egito.
A relação entre o Egito e
a Núbia foi complexa e variou ao longo do tempo. Durante o Império Novo, o
Egito expandiu-se para o sul e estabeleceu uma série de fortalezas na Baixa
Núbia, a fim de garantir seu poderio militar e a exploração de ouro. Os
egípcios fundaram uma série de cidades coloniais na região, como Sesebi, que
era um centro administrativo do poderio colonial na Núbia . A Núbia, por sua
vez, desenvolveu-se de forma independente do Egito desde a pré-história.
Durante o Império Novo, a Núbia tornou-se uma província egípcia, mas recuperou
sua independência após a queda do Império Novo . Posteriormente, a Núbia
conquistou o Egito e uniu o país das duas terras e a Núbia sob a XXV dinastia .
Nos estágios iniciais, a
ocupação egípcia da Núbia, durante o Novo Império, encontrou resistência. Mas
os núbios logo se acomodaram, sob a nova administração egípcia, a um
desenvolvimento pacífico inédito em seu país. Os reis da XVIII e da XIX
dinastia construíram templos em toda a Núbia. Em seguida, desenvolveram‑se em
torno desses templos cidades importantes como centros religiosos, comerciais e
administrativos. Toda a Núbia foi reorganizada segundo padrões puramente
egípcios e montou‑se um sistema administrativo totalmente egípcio, que requeria
a presença de um número considerável de escribas, sacerdotes, soldados e
artesãos. Tal processo acabou resultando na completa egipcianização do país.
A
influência Cultural egípcia
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As
ruínas de um antigo templo egípcio no deserto do sudão, núbia
As cidades coloniais núbias deixaram vestígios de interação cultural entre o Egito e a Núbia. Essa interação ocorre, por exemplo, com a alimentação, que é muito difícil de ser alterada no curto prazo. Um estudo de potes de cerâmica de sítios coloniais núbios mostra que, em vez dos costumes e utensílios egípcios, a forma como a comida era consumida e servida nesses locais era o resultado de uma interação complexa de modos e costumes locais criados pelos egípcios. , que são testados e implementados de diversas maneiras. Os cemitérios coloniais núbios, por outro lado, fazem uso extensivo de artefatos de estilo egípcio. Além disso, os corpos deixaram de ser depositados de forma núbia (ou seja, curvados) e foram depositados de forma estendida.
O enxoval funerário inclui vasos, pratos e caldeirões de cerâmica de
estilo egípcio, incorporando, até certo ponto, as práticas funerárias que conhecemos no Egito. Entre outras coisas,
escaravelhos, vasos cosméticos, amuletos, colares e pulseiras encontrados nesta
necrópole também indicam a utilização de padrões materiais egípcios, que a
priori indicam a utilização de práticas culturais egípcias. No entanto, esta
combinação é outro exemplo da utilização de Práticas culturais egípcias. Pode
mostrar como os núbios criam padrões culturais. É como se um copo de suco
pudesse virar um vaso de flores se o dono assim quisesse.
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Pirâmides de Meroe, actual sudão |
A direção da máquina administrativa egípcia na Núbia, durante o período do Novo Império, estava a cargo do vice‑rei da Núbia. Desde o começo, esse funcionário ostentava o título de “governador dos países do sul”, juntamente com o de “filho do rei”. O primeiro título era o que realmente correspondia à sua função. No tempo
de Tutmósis IV, o vice‑rei da Núbia tinha o mesmo nome que o príncipe herdeiro, Amenófis. Para distinguir um do outro, o vice‑rei da Núbia era chamado de “filho do rei de Kush”. Posteriormente, esse título foi dado a todos os vice‑reis que sucederam a Amenófis; o título não indica necessariamente que os vice‑reis da Núbia procediam de família real, mas pode ser uma indicação da importância do cargo e da grande autoridade de que gozava o vice‑rei. Esses altos funcionários eram escolhidos entre homens de confiança, inteiramente devotados ao faraó, perante o qual eram diretamente responsáveis. Tratava‑se de administradores capazes.
A
divisão territorial
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Mapa da núbia antiga |
A Núbia estava dividida
em dois vastos territórios: as terras entre Nekhen (no Alto Egito) e a Segunda
Catarata, conhecidas como Wawat, e toda a área ao sul, entre a Segunda e a
Quarta Catarata, chamada Kush. O vice‑rei dirigia um grande número de
departamentos administrativos claramente imitados dos seus congêneres no Egito.
Assessoravam‑no funcionários encarregados dos diversos departamentos
administrativos necessários para o governo da Núbia. As cidades núbias estavam
submetidas a governadores responsáveis junto ao vice‑rei.
Um comandante dos
arqueiros de Kush e dois delegados, um para Wawat e o outro para Kush,
compunham o estado‑maior do governante núbio. Ele tinha sob ordens as forças
policiais destinadas a garantir a segurança interna e também as guarnições das
cidades e um pequeno exército para proteger expedições enviadas às minas de
ouro. Uma responsabilidade importante do vice‑rei da Núbia era a entrega
pontual do seu tributo, pessoalmente, ao vizir de Tebas. Além disso, ele era ainda
o chefe religioso do país. Os chefes nativos também participavam da
administração da Núbia. A política egípcia da época era assegurar a lealdade
dos príncipes locais, o que se obtinha permitindo que mantivessem a soberania
em seus distritos.
A
economia da Núbia
A importância econômica da Núbia durante o Novo Império pode ser deduzida principalmente das listas de tributo fixadas nos muros dos templos e também da representação pictórica de produtos núbios nos túmulos de funcionários egípcios responsáveis pela entrega desses produtos ao faraó. Nessa época, os egípcios intensificaram a mineração na Núbia, de uma forma que ultrapassou qualquer limite anterior, a fim de obter cornalina, hematita, feldspato verde, turquesa, malaquita, granito e ametista. Mas o principal produto da Núbia era o ouro. Durante o reinado de Tutmósis III, o tributo anual de Wawat atingia sozinho 550 libras90. O ouro da Núbia vinha das minas da região situada em torno de Uadi el‑Alaki e Uadi Gabgaba, no deserto oriental, e também das minas espalhadas ao longo do vale do Nilo até Abu Hamad ao sul.
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Copos
de cerâmica encontrados durante a escavação de um cemitério meroítico.
O Egito importava da
Núbia também ébano, marfim, incenso, óleos, gado, leopardos, ovos e plumas de
avestruz, peles de pantera, girafas e enxota‑moscas de rabo de girafa, galgos,
babuínos e cereais. Pelo fim da XVIII dinastia, podem‑se observar produtos
manufaturados nas representações das mercadorias que a Núbia enviava ao Egito
como tributo. No túmulo de Huy, vice‑rei da Núbia durante o reinado de
Tutancâmon, verifica‑se que o tributo do sul incluía escudos, tamboretes, camas
e poltronas. Por sua riqueza e também pela importância de suas tropas, no fim
do Novo Império a Núbia passou a desempenhar um papel significativo nas
questões de política interna do próprio Egito. Desordem, fraqueza, corrupção e
lutas pelo poder caracterizaram essa época no Egito.
As facções em luta,
percebendo a importância da Núbia para seus empreendimentos, esforçavam‑ se por
obter o apoio da sua administração. O próprio rei Ramsés‑ Siptah, da XIX
dinastia, foi à Núbia no primeiro ano de seu reinado, a fim de nomear Seti como
vice-rei, e seu delegado levou presentes e recompensas para os funcionários
mais graduados da Núbia. Merneptah‑ Siptah, o último rei da XIX dinastia, foi
mesmo obrigado a enviar um de seus funcionários para receber o tributo da
Núbia, embora o envio desse tributo figurasse entre os deveres do vice-rei
quando o faraó exercia o controlo efetivo sobre a totalidade de seu império.
O
período conturbado da XX dinastia
Durante a XX dinastia, a
situação do Egito se deteriorou consideravelmente. Na época de Ramsés III
(-1198 a -1166) houve uma conspiração do harém para depor o soberano. Entre os
conspiradores, estava a irmã do comandante dos arqueiros na Núbia, que entrou
em contato com seu irmão para que ele ajudasse na execução do complô. Mas é
evidente que o vice‑rei da Núbia permaneceu leal ao faraó. Sob Ramsés XI, o
último rei da XX dinastia, irrompeu uma revolta na região de Assiut. Com a
ajuda de Pa‑nehesi, vice‑ rei de
Kush, o rei e suas tropas conseguiram dominar a rebelião e restaurar a ordem no
Alto Egito.
Após o levante, um certo
Herihor tornou‑ se sumo sacerdote de Âmon em Tebas. Parece que ele foi elevado
a essa dignidade por Pa‑ nehesi e seus soldados núbios, supondo‑ se ser ele um
de seus seguidores. No o ano do governo de Ramsés XI, após a morte de
Pa‑nehesi, Herihor foi nomeado vice‑rei da Núbia e vizir de Tebas. Desse modo
passou a ser o senhor efetivo do Alto Egito e da Núbia. Após a morte de Ramsés
XI, Herihor tornou‑ se rei (-1085), e com ele teve início uma nova linhagem de
soberanos egípcios. Daí por diante o caos reinou no Egito, iniciando‑ se na
Núbia uma fase crítica, que perdurou até o século VIII antes da Era Cristã,
quando Kush emergiu inesperadamente como potência de primeira grandeza.
Considerações
finais
A história da Núbia,
desde o período colonial até ao período Napata, pode ser entendida como uma
transição da colónia para o império; da mudança da periferia para o centro de
energia. No processo, o Egito tornou-se um símbolo do poder núbio. O Egipto,
que outrora se tinha expandido em direcção à Núbia em busca de ouro e outros
bens, tornou-se agora um campo de testes de materiais para apoiar o poder do
império núbio.
Esta é uma mensagem
importante que a história nos pode trazer hoje, mostrando que aquilo que é a
priori opressor, controlador e dominador pode ser derrubado e transformado numa
estratégia de superação de constrangimentos e imposições estruturais. É um
sistema de distribuição e retirada do que lhe é imposto, que acaba se tornando
uma poderosa arma de liberdade.
Sugestões
de Leitura
- G. Mokhtar- A História geral de África Vol II (África antiga);
- Cheikh Anta DIOP-A origem dos antigos egípcios;
- Derek A. Welsby- Nubia: Ancient Kingdoms of Africa;
- Griffith, Francis Ll. 1922. Oxford excavations in Nubia, Annals of Archaeology and Anthropology IX, 67–124.
- David N. Edwards-The Nubian Past: An Archaeology of the Sudan
- SMITH, Stuart Tyson. Pharaohs, feasts, and foreigners. In: BRAY, T.L. Bray. The archaeology and politics of food and feasting in early states and empires. Boston, MA: Springer, 2003, p. 39–64.
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